
Reflexões Islâmicas — Ano I — nº. 8 — 03.Abril.2013 / 22.Jamad’Al-Awwal.1434
RECEBIDO DE UM LEITOR:
Date: Mon, 1 Apr 2013 18:25:40 +0100
Subject: Reflexão Nº4: O Alcorão, os Ahadith e as mulheres
From: Muhammad Satar
To: alfurqan00@hotmail.com
“Salam tio,
Fiquei um pouco…perturbado com este artigo. Só o li agora. O tio diz que o Bukhari e o Muslim não estão 100% correctos ao passo que eu, durante este tempo todo, fui levado a crer que eles estavam totalmente certos e iam de encontro ao que é dito no Alcorão.
O tio escreve também que o Profeta recomendou que não se escrevessem os Ahadith. Qual a fonte?
Estamos então a dizer que os Quranis seguem a senda mais… correcta?
Obrigado desde já pelo esclarecimento.
WS.
Muhammad.”
Prezado Muhammad Satar
Walaikum-as-Salam:
Agradeço as suas TRÊS perguntas, aos quais passo a responder:
1ª. PERGUNTA: Fiquei um pouco… perturbado com este artigo. Só o li agora. O tio diz que o Bukhari e o Muslim não estão 100% correctos; ao passo que eu, durante este tempo todo, fui levado a crer que eles estavam totalmente certos e iam de encontro ao que é dito no Alcorão.
RESPOSTA: Em primeiro lugar chamo a sua atenção para o título da minha reflexão em questão e a respectiva fonte: «O Alcorão, os Ahadith e as Mulheres» – Fonte: Artigo baseado, com a devida vénia, do www.csss-isla.com/IIS – Institute of Islamic Studies, da autoria do Teólogo Islâmico Prof. Asghar Ali Engineer. Tradução e adaptação em português por M. Yiossuf Adamgy – Director da Revista Islâmica Portuguesa Al Furqán.
Devo dizer que o Bukhari e o Muslim fizeram o seu melhor ao seleccionarem os Ahadith, não obstante terem rejeitado milhares de Ahadith aquando da sua consagrada selecção, por duvidarem da veracidade dos mesmos; ainda assim, eventualmente, poderão ter passado alguns Ahadith com falhas ou não serem correctos. Por conseguinte, os eruditos islâmicos são, na sua maioria, unânimes em afirmar que qualquer hadith que, em vez de esclarecer, contrarie o espírito dos versículos Alcorânicos, deve ser rejeitado. Seguindo este critério, o erudito Muhammad Husayn Haykal, no seu famoso livro “THE LIFE OF MUHAMMAD (s.a.w.)”[1] evitou, conscientemente, o uso de ditos Proféticos (Ahadith) para obtenção de conclusões que o Alcorão não apoia explicitamente. O uso do Alcorão assegura a revelação da verdade sobre os conceitos em causa. E Haykal ainda afirma nesse seu livro nestes termos e passo a citar:
«Este válido critério foi observado pelos grandes eruditos do Islão, desde o início. Continua a ser o fio condutor dos pensadores actuais. Ibn Khaldun escreveu: “Não acredito em nenhum Hadith ou relato de um companheiro do Profeta, paz esteja com ele, como sendo verdadeiro se diferir do sentido do Alcorão, por muito fidedignos que tenham sido os seus narradores. Não é impossível que um narrador pareça fidedigno, embora seja movido por outros motivos. Se os Ahadith fossem analisados pelos seus conteúdos como o foram relativa-mente à cadeia de narradores que os transmitiram, grande parte deveria ter sido rejeitado. Um princípio aceite é o de que um Hadith pode ser rejeitado se divergir do sentido do Alcorão, dos princípios da Chariah, das leis da lógica, ou de qualquer outra verdade evidente”. Este critério, que foi apresentado pelo Profeta Muhammad (p.e.c.e.) e seguido por ibn Khaldun, está em perfeita harmonia com a análise científica moderna».
Existe cerca de 700.000 Ahadith atribuídos ao Profeta (s.a.w.). De entre estes, mais de 90% foram rejeitados pelos primeiros muçulmanos por não serem autênticos ou se apresentarem dúbios. Malik aceitou 500 Ahadith; Hambal 40.000; Bukhari 7.275; Muslim aceitou 4.000. Cada um destes coleccionadores aceitaram como fontes fidedignas pessoas que os outros rejeitaram. A história dos Ahadith reza que Muslim rejeitou 434 pessoas que Bukhari aceitou, e Bukhari, por seu turno, rejeitou 625 pessoas aceites por Muslim. Alguns dos relatos aceites provinham de testemunhas que tinham estado na presença do Profeta (s.a.w.) um só dia, ou só o tinham avistado, ou ainda de crianças com 8 anos de idade. Contudo, era bem sabido que existiam mentirosos e hipócritas entre os que professavam o Islão, como afirma o Alcorão, 9:101-102 e 63:1-2.
2ª. PERGUNTA: Pergunta-me qual a fonte onde o Profeta recomendou que não se escrevessem os Ahadith.
RESPOSTA: Em primeiro lugar, no Sirat do Profeta (s.a.w.) lê-se que ele desencorajou que fossem escritos os Ahadith, porque muito poucos foram escritos durante a sua vida; eram, sim, transmitidos, oralmente, pelos seus companheiros. Tanto que os Ahadith escritos foram compilados dois a três séculos depois da morte do Profeta Sagrado (p.e.c.e.) e sofreram muitas alterações, devido à passagem do tempo. Embora tenham existido vários narradores e, apesar da sua honestidade e integridade, havia grande probabilidade de os textos serem modificados de narrador para narrador, uma vez que estes tinham, inclusivamente, diferentes interpretações e origens culturais. Infelizmente para os Ahadith, a honestidade e integridade dos seus narradores tornaram-se nos únicos critérios, em vez de se valorizar a conformidade com a perspectiva, valores e ideais do Alcorão.
Por outro lado, havia também aqueles que não hesitavam em criar um Hadith com o intuito de legitimar um qualquer comportamento ou necessidade de algum indivíduo importante e poderoso. Assim sendo, enquanto não houve qualquer divergência em relação ao Texto do Alcorão, têm surgido alguns desacordos em relação à autenticidade ou carácter apócrifo de alguns Ahadith. Na verdade, poder-se-iam ter evitado muitos problemas se não tivesse sido aceite um número tão grande de Ahadith. Foi exactamente por estas razões que o Profeta (p.e.c.e.) desencorajou a compilação destes Ahadith, que repito, só surgem dois a três séculos depois da morte do Profeta Sagrado (p.e.c.e.), ao contrário do Alcorão que, desde a altura em que a Mensagem Divina começou a ser revelada, o Profeta (p.e.c.e.) ditou o seu texto aos escribas, até ao final do conjunto de revelações. E inúmeros Companheiros (sahabah) memorizaram a totalidade do texto, e outros memorizaram diferentes partes do mesmo. E ainda hoje, inúmeros seguidores do Profeta Muhammad (p.e.c.e.) têm memorizado, memorizam e memorizarão a totalidade do texto, até aos Finais dos Tempos, in-cha-Allah.
3ª. PERGUNTA: Estamos então a dizer que os Qu-ranis seguem a senda mais… correcta?
RESPOSTA: (Para que os leitores percebam melhor, os Quranis são aquelas pessoas inclinadas para seguir «exclusivamente o Alcorão»).
Não. De modo nenhum. É certo que a primeira fonte do Islão é o Alcorão e depois a Sunnah, os Ahadith que servem para explicar e esclarecer os versículos Alcorânicos. Não para os contrariar. Por conseguinte, os Quranis não estão certos na sua inclinação de seguirem exclusivamente o Alcorão, pois erram ao supor que se seguirem Muhammad (p.e.c.e.) não estão a seguir o Alcorão. Obedecer ao Profeta é obedecer a Deus (ár. Allah). [Alcorão, 4:80]. Na verdade, vós tendes um bom exemplo no Mensageiro de Allah… [Alcorão, 33:21].
Por outro lado o Profeta Muhammad (p.e.c.e.) distinguia, inequivocamente, aquilo que lhe tinha chegado sob a forma de revelação divina, e o que não: «Não passo de um ser humano. Quando vos ordeno algo relativo à vossa religião, aceitem-no. Se vos ordenar algo baseado na minha opinião pessoal, sou meramente um ser humano».
Os seus seguidores assim o sabiam, pois ele frequentemente seguia os seus conselhos ao invés de insistir nas suas próprias ideias, quando estas não eram revelações.
Aceitam a palavra do Alcorão e de Muhammad (p.e.-c.e.), que este era um ser humano que cometia falhas mas, como era um Profeta, era corrigido por Allah.
Aceitam a palavra do Alcorão e que o Alcorão (os seus ensinamentos, como originalmente transmitidos, — i.e. o seu significado, Alcorão, 56:77-80) será preservado. Esta promessa não abarca os Ahadith. Os Ahadith, apesar de conterem a Sunnah do Profeta (s.a.w.) são variáveis, tanto em termos de qualidade, confiança e interpretação. Devemos ser cautelosos na sua abordagem, embora não haja necessidade de os rejeitar a todos. É através dos Ahadith que sabemos a história do Profeta (s.a.w.) e a revelação do Alcorão.
Existe sempre a possibilidade de seleccionar alguns Ahadith que são triviais, outros que aparentemente contradizem o Alcorão, outros que se contradizem entre si, outros ainda que são relatos diferentes de um mesmo acontecimento, outros elaborados como acrescentos ou distorções por sectários e assim por diante. Apesar disso, existem muitos que nos relatam as circunstâncias em que alguns dos versículos do Alcorão foram revelados, outros que nos dizem como aqueles foram interpretados e aplicados em determinada altura, e outros ainda que iluminam os versículos do Alcorão.
Espero ter esclarecido, satisfatoriamente.
Que Deus nos abençoe a todos, concedendo-nos orientação e felicidade. Qualquer bem que advenha deste esclarecimento, deve-se à benevolência de Deus e, caso eu tenha dito algo inútil, foi por defeito meu. Deus, o Altíssimo, é perfeito.
[1] – In THE LIFE OF MUHAMMAD, Haykal achieves two objectives admirably: first, a biography which reveals the career of Prophet Muhammad (peace be upon him) in the full light of historic reality; second, bringing out the essence of Islam, as exemplified in the life of the greatest Muslim. It includes complete coverage of the Prophet’s life, a detailed analysis of pre-Islamic Arabia, the situational context of revelation, and a comparative study of the basics of Islamic and Western civilizations. It is based upon a scholarly examination of all of the extant Sirah and Hadith literature (the Prophet’s life, his sayings and narrations of his teachings by his contemporaries) with the eye of an objective, scientific, and critical scholar who is well versed in modern historical critical methodology. THE LIFE OF MUHAMMAD is an essential book for all English-spe-aking Muslims, as well as non-Muslims. This English ver-sion has been approved by the Supreme Council for Islamic Affairs, Cairo.
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